Plano
de aula de Língua Portuguesa
Professor: Márcio Alessandro de Oliveira.
Série: 1º Ano do ensino médio.
Tema: Formalidade e informalidade: norma
culta e norma culta-padrão.
Título:
A norma culta e a norma culta-padrão.
Pré-requisito:
ter o português como língua materna (a primeira língua, adquirida na infância).
Recursos:
quadro branco (ou lousa), pincel (ou giz), apagador e fotocópias.
Tempo
previsto: 40 ou 50 minutos.
Metodologia:
Aula expositiva dialogada.
Avaliação:
Aplicação de folha de exercícios (Anexo II), extraídos de livro didático de
Mauro Ferreira.
Objetivo
geral: estabelecer as diferenças entre os diferentes
níveis de registro de duas formas de manifestação do pensamento completamente
diferentes: a fala e a escrita.
Objetivos
específicos:
1.
conceituar
e exemplificar o registro linguístico;
2.
dividir
os tipos de registro em dois níveis: o formal e o informal;
3.
subdividir
o nível formal em culto e erudito;
4.
subdividir
o nível informal em chulo e coloquial;
5.
reconhecer
as diferenças entre a fala e a escrita;
6.
mostrar que o contexto de comunicação e o gênero textual (falado ou escrito)
condicionam a adequação e a inadequação do nível de formalidade ou
informalidade;
7.
mostrar as diferentes maneiras de dizer a mesma coisa;
8.
demonstrar os efeitos de sentido de cada nível de registro e de cada escolha de
palavra;
9.
mostrar que, quando há variação, há avaliação e até preconceito linguístico.
Etapas:
1ª
parte:
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revisão do conteúdo da aula anterior;
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2ª
parte:
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lançamento do conteúdo novo da aula,
registrado no Anexo I para ser levado à lousa;
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3ª
parte:
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explicação e exemplificação do
conteúdo novo;
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4ª
parte:
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fixação da matéria por meio de exercícios,
registrados no Anexo II;
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5ª
parte:
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dúvidas dos alunos, lição para o lar
(Anexo III) e entrega de texto que fala da Linguística na sala de aula (Anexo
IV).
|
Referências:
ABRAÇADO,
Jussara; AMORIM, Carmelita Minelio da Silva; ROCHA, Lúcia Helena Peyroton da. Aula 1 – Nossa língua normal: por um ensino
de língua portuguesa centrado no uso. In: ___. Linguística IV. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2016.
AMORIM,
Monika Benttenmüller; GONÇALVES, José Carlos.
Aula 1 – Português: Nossa Língua Materna? In: Português VIII. Rio de
Janeiro: Fundação Cecierj, 2016.
BAGNO,
Marcos. A mitologia do preconceito linguístico. In: ___. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 54. ed. São Paulo:
Edições Loyola, 1999-2011, pp. 39-40.
______.
Gramática de bolso do português
brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.
______.
Nada na língua é por acaso: por uma
pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BAKHTIN,
Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ___. Estética
da Criação Verbal. SP: Martins Fontes, 2010.
BIAR,
Liana; PINNA, Rafael; RABIN, Bruno. Pré-Vestibular
Social: redação (v. 1). 4. ed. revisada. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj,
2014.
BECHARA,
Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa.
37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2009.
CINTRA,
Lindley; CUNHA, Celso. Nova Gramática do
português contemporâneo. 5. ed., 7ª
reimpressão. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008.
FERREIRA,
Mauro. Aprender e praticar gramática.
São Paulo: FTD, 2007.
RODRIGUES,
Gerson. Aula 2: Os gêneros e os modos de organização do discurso. In: ___ et al. Português VI. Rio de Janeiro:
Fundação Cecierj, 2014.
SAUSSURE,
Ferdinand. Curso de Linguística Geral.
Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 20. ed. São Paulo:
Cultrix, 1995.
SANTOS,
Ana Lúcia Cardoso dos; GRUMBACH, Gilda Maria. Didática para Licenciatura: Subsídios para a Prática de Ensino
(volume 1 e 2). Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2012.
TEIXEIRA,
Flávia A. R.. Aula 2: Gêneros Textuais.
In: ___. Inglês Instrumental. Rio de
Janeiro: Fundação Cecierj, 2015.
A
norma culta e a norma culta-padrão
“Comparando a língua
culta com a língua coloquial, é
possível constatar que, em certos aspectos, as diferenças entre as duas são bastante
evidentes, mas, em outros, os limites não são tão claros, ficando difícil,
nesses casos, definir uma ‘fronteira’ entre o que é culto e o que é coloquial.”
(Mauro Ferreira,
2007, p, 81.)
A norma culta é o
modelo de língua verdadeiramente usado por falantes e redatores. Já a norma
culta-padrão é idealizada com base em textos literários muito formais. Em
resumo: a norma culta é real, ao passo que a norma culta-padrão é ideal (ou
seja: existe só na ideia). Há casos em que o uso real da língua corresponde ao
ideal de um padrão culto muito sofisticado, o que não anula as variações
histórica, geográfica, sociocultural e de classe social da língua.
Todo texto pode variar
em nível de formalidade e em nível de informalidade, conforme o esquema a
seguir:
Registro
formal: culto ou erudito;
Registro
informal: coloquial ou chulo.
Exemplos:
Língua coloquial:
|
Língua culta:
|
Pronúncia descuidada: “num sei”, “tá
bão”.
|
Pronúncia mais cuidadosa: “não sei”, “está
bom”.
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Ausência de marcas de concordância:
“Os menino vai bem”, “restou duas moedas”, “como fica as regras?”.
|
Presença de marcas de concordância:
“Os meninos vão bem”, “restaram duas moedas”, “como ficam as regras?”.
|
Uso frequente de gírias.
|
Ausência de gírias.
|
Tudo depende do
contexto de comunicação e da pessoa a quem se dirige a palavra (falada ou
escrita). Em outras palavras: a adequação e a inadequação do nível de registro (ou
de estilo) dependem da situação.
Observação: A língua
falada é muito diferente da língua escrita, pois escrever nunca é o mesmo que
falar. Existe, portanto, uma diferença entre a relação falante-ouvinte e a
relação escritor-leitor.
Atividades:
1.
Em cada situação a seguir, indique se a linguagem utilizada está adequada ou
inadequada.
a)
Um advogado, num tribunal de júri, diz: “Tá na cara que a testemunha tá
enrolando”.
b)
Um advogado, num tribunal de júri, diz: “É evidente que a testemunha está
faltando com a verdade”.
c)
Conversando com um amigo a respeito de um julgamento, um advogado afirma: “Tava
na cara que a testemunha tava enrolando”.
d)
Num velório, uma pessoa, ao cumprimentar a viúva, diz: “É extremamente
doloroso, para mim, saber que seu marido bateu as botas”.
e)
Um amigo diz ao outro, que costuma dirigir em alta velocidade: “Cuidado, a qualquer
hora, você bate as botas”.
2.
Numa sala de aula, um aluno diz a um colega: “Poderias fazer a fineza de
emprestar-me a tua borracha?”. Essa situação é equivalente a
a) comparecer,
usando short e chinelos, a uma audiência com um promotor.
b) comparecer,
usando terno e gravata, a uma audiência com um promotor.
c) ir à praia de
terno e gravata.
d) ir à praia sem
camisa, de short e descalço.
e) ir a um baile
de gala usando camiseta.
Para
o lar:
Adequação
e inadequação linguística
Quando uma pessoa se
comunica com outra(s), para que esse ato se realize de forma eficiente, é
necessário que ela faça a adequação
da linguagem.
Há situações em que a
relação entre os interlocutores é mais descontraída, mais informal ou pessoal,
casos em que fica mais adequado o emprego de uma linguagem informal, mais “solta”. Outras vezes, essa relação é mais
impessoal, mais distanciada, o que requer uma linguagem mais formal, mais “cuidada”.
São vários os fatores que,
isoladamente ou combinados, levam o falante a adequar sua linguagem às
circunstâncias do ato de comunicação. Entre esses fatores destacam-se:
o
interlocutor
(não se fala do mesmo modo com um adulto e com uma criança);
o
assunto
(não se fala sobre a morte de uma pessoa da mesma maneira que se fala sobre a
derrota do time de futebol);
o
ambiente
(não se fala do mesmo jeito em um templo religioso e em um churrasco com
amigos);
a
relação falante-ouvinte
(não se fala da mesma maneira com um amigo e com um estranho; ou em uma relação
social informal e em uma relação formal).
Em um ato de
comunicação, a influência desse e de outros fatores resulta num maior ou menor
grau de formalidade ou informalidade na linguagem.
(Mauro
Ferreira. O universo da linguagem. In: ___. Aprender
e praticar gramática. São Paulo: FTD, 2007, pp. 82-3.)
SANTOS
NOMES EM VÃO
Praxedes é gramático.
Aristarco também. Com esses nomes não poderiam ser cantores de rock. Os dois
trabalham num jornal. Praxedes despacha as questiúnculas à tarde. Aristarco, à
noite. Um jamais concordou com uma vírgula sequer do outro, e é lógico que seja
assim. Seguem correntes diversas. A gramática tem isso: é democrática.
Permitindo mil versões, dá a quem sustenta uma delas o prazer de vencer.
Praxedes é um santo
homem. Aristarco também. Assinam listas, compram rifas, ajudam quem precisa. E
são educados. A voz dos dois é mansa, quase um sussurro. Mas que ninguém se
atreva a discordar de um pronome colocado por Praxedes. Ou de uma crase posta
por Aristarco. Se a conversa ameaça escorregar para os verbos defectivos ou
para as partículas apassivadoras, melhor escapar enquanto dá. Porque aí cada um
deles desanda a bramir como um leão.
Para que os dois não se
matem, o chefe pôs cada um num horário. Praxedes, mais liberal (vendilhão,
segundo Aristarco), trabalha nos suplementos do jornal, que admitem uma
linguagem mais solta. Aristarco, ortodoxo (quadradão, segundo Praxedes), assume
as vírgulas dos editoriais e das páginas de política e economia. [...]
Sempre estiveram a um
passo do quebra-pau. Hoje, para festa dos ignorantes e dos mutiladores do
idioma, parece que finalmente vão dar esse passo. É dia de pagamento e eles se
encontram na fila do banco. Um intrigante vem pondo fogo nos dois há já um mês
e agora ninguém duvida: nunca saberemos quem é o melhor gramático, mas hoje
vamos descobrir quem é o mais eficiente no braço.
Aristarco toma a
iniciativa. Avança e despeja:
— Seu patife, biltre,
poltrão, pusilânime.
Praxedes responde à
altura:
— Seu panaca,
almofadinha, calhorda, caguincha.
Aristarco mete o dedo
no nariz de Praxedes:
— É a vossa
progenitora!
Praxedes toca o dedo no
nariz de Aristarco:
— É a sua mãe!
Engalfinham-se, rolam
pelo chão, esmurram-se.
Quando o segurança do
banco chega para apartar, é tarde, Praxedes e Aristarco
estão desmaiados um
sobre o outro, abraçados, como amigos depois de uma bebedeira.
O guarda pergunta à
torcida o que aconteceu. Um boy que viu tudo desde o início explica:
— Pra mim, esses cara
não é bom de bola. Eles começou a falá em estrangeiro, um estranhô o outro, os
dois foram se esquentando, esquentando, e aí aquele ali, ó, que também fala
brasileiro, pôs a mãe no meio. Levô uma bolacha e ficô doido: enfiô o braço no
focinho do outro. Aí os dois rolô no chão.
Para a sorte do boy,
Aristarco e Praxedes continuavam desacordados.
(Raul Drewnick, apud Mauro Ferreira. Aprender
e praticar gramática. São Paulo: FTD, 2007, pp. 85-6.)
Os galicismos, na
passagem do século XIX para o XX, e os anglicismos, na virada do terceiro
milênio, não têm a força destruidora tão temida pelos puristas e conservadores.
A língua portuguesa, em todo esse período, se manteve muito bem, obrigada,
falada e escrita por cada vez mais gente, produziu uma literatura reconhecida
mundialmente, é propagada também em nível internacional pelo grande prestígio
de que goza a música popular brasileira — entre tantas outras provas de sua
vitalidade. E a avalanche (ai, um galicismo!) de palavras estrangeiras tem de
ser analisada da perspectiva da dependência político-econômica (e
consequentemente cultural) do Brasil (e de Portugal) para com o centro
hegemônico mundial de poder, que são os Estados Unidos. Não adianta bradar
contra a “invasão” de palavras na língua portuguesa sem analisar essa
dependência. É querer eliminar os efeitos sem atacar as causas.
E essa enorme bobagem
de dizer que “brasileiro não sabe português” e que “só em Portugal se fala bem
português”? É uma piada de mau gosto, infelizmente transmitida de geração a
geração pelo ensino tradicional da gramática na escola.
O brasileiro sabe
português, sim. O que acontece é que nosso português é diferente do português falado em Portugal. Quando dizemos que no
Brasil se fala português, usamos esse
nome simplesmente por comodidade e por uma razão histórica, justamente a de
termos sido uma colônia de Portugal. Do ponto de vista linguístico, porém, a
língua falada no Brasil já tem uma gramática — isto é, tem regras de
funcionamento — que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada
em Portugal. Por isso os linguistas (os cientistas da linguagem) preferem usar
o termo português brasileiro, por ser
mais preciso e marcar bem essa diferença.
(Marcos Bagno. A mitologia do preconceito
linguístico. In: ___. Preconceito
linguístico: o que é, como se faz. 54. ed. São Paulo: Edições Loyola,
1999-2011, pp. 39-40.)
Levando em conta as
características da linguagem no Texto I, responda às seguintes questões:
1.
Os três personagens (Aristarco, Praxedes e o boy) utilizam o mesmo nível de
linguagem? Explique.
2.
O que o boy quis dizer ao afirmar que um dos dois gramáticos falava
“brasileiro”?
3.
Supondo que o relato do boy tivesse sido feito pelo gerente do banco,
reescreva-o dentro do padrão culto da língua.
Agora, leia o texto
abaixo e responda às questões 4 e 5:
Os
nosso salário, cum relação ao que nóis fazemo e o lucro que os outros tem, é
insignificante. Por que acontece isso? Eu tenho que trabaiá trezentos e
sessenta e cinco dia por ano. O outro não trabaia nem... nem cem dia, ganha
muito mais. Porque eu sô a máquina que dô descanso pra ele.
4.
Reescreva o texto acima dentro do padrão culto do idioma.
5.
O fato de o autor do discurso não se expressar de acordo com as regras da
gramática normativa não o impede de ter plena consciência do problema que ele
analisa. Qual é esse problema e que opinião ele tem a respeito?
ANEXO
IV
A
IMPORTÂNCIA DA LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA
(Este texto é dedicado ao professor
Marcos Bagno, que muito tem feito pela democracia.)
Em sonhos, a
Linguística, que é uma deusa, veio até mim de minissaia. Acompanhada pelas
ninfas da gramática, disse que estou no caminho certo: Eu me comporto não como
linguista, mas como professor de língua. Como tal, tenho o dever de estar em
dia com os textos de divulgação científica da Linguística como um sacerdote
catedrático que faz cultivo do conhecimento, e não como vendedor de aulas de
escolinhas e cursinhos de fundo de quintal. Minha deusa também disse que sou
como o chão de fábrica, ao passo que os linguistas profissionais são como a
gerência. Também disse que a gramática normativa, cujo objetivo principal nunca
foi nem nunca será o de facilitar a comunicação, mas sim o de discriminar e
oprimir os que não a conhecem, até descreve cientificamente bem o idioma. O
problema dela é que impõe um modelo linguístico que ela considera superior.
Também disse que posso continuar corrigindo os alunos, desde que eu deixe claro
que seus “erros” são, na verdade, desvios gramaticais, desvios que um dia a
norma culta-padrão poderá legitimar. Tome-se como exemplo o juiz Moro. Pode e
deve ser corrigido. Afinal, ninguém gosta de barbarismos ou silabadas em
situações comunicativas formais. É que elas, as situações formais, exigem
monitoramento e esmero por parte do falante. Isso vale não apenas para a
pronúncia: vale para a sintaxe também. Contudo, não se pode dizer que uma
pessoa não sabe falar só porque não segue a norma culta. Quem fala “errado” na
verdade fala certo. Do ponto de vista científico, o que o senso comum considera
“erro” é apenas desvio da norma culta-padrão, que está sempre sendo atualizada.
Basta ver a gramática de Bechara: já está na 38ª edição. Ela já não faz a
distinção entre ONDE e AONDE, defendida por puristas. Para a Linguística, erro
é dizer “Penduradas varal no calcinhas vi deliciosas” no lugar de “Vi calcinhas
deliciosas penduradas no varal”. Na primeira construção, não há coesão: as
palavras não estão conectadas, por isso a frase é agramatical; já na segunda
sequência as palavras apresentam coesão. Dizer “As calcinha” é desvio ou
incorreção, mas não é errado dizer “As calcinha”. Dependendo da situação
comunicativa e do gênero textual, a gramática normativa não poderá ser seguida
à risca em nome do pragmatismo das relações sociais: Uma fala muito “correta”
pode ser pedante. Baseado na gramática gerativista (que é bem diferente da
normativa), posso afirmar que ninguém diz
“O moça” nem “A rapaz”. Isso, sim, seria erro, e quem adquiriu o
português na infância não fala nem escreve esses termos. O analfabeto não diz
essas coisas. Também não diz “Nós vim” nem “Nós comi”: ele diz “Nós veio” e
“Nós comeu”. Isso prova que ele sabe a diferença entre o singular e o plural. O
plural dele apenas se desvia da norma culta-padrão. Isso, porém, não quer dizer
que ele não saiba falar português. Ele é constituído pela língua e na língua.
Dizer o contrário é praticar violência simbólica contra ele (acho que o
conceito de violência simbólica é de Pierre Bourdieu). Na verdade, ele sabe
falar muito bem. Com a educação escolar, ele poderá se apropriar das normas
urbanas de prestígio. Estas, por sua vez, nem sempre estão em consonância com
Bechara nem com os postulados dos puristas. É que Bechara e outros mantêm um
escrúpulo filológico: postulam regras gramaticais unicamente com base em textos
literários, cujo estilo ainda é muito artificial (a depender da época em que
foram produzidos). Essa tradição vem da Grécia, e é extremamente conservadora e
elitista. Nem os profissionais da palavra seguem à risca a norma culta-padrão,
que é idealizada. As evidências comprovam que textos muito monitorados já
revelam construções que exigem que a norma culta ideal faça concessões em nome
da norma culta real. Muitas pessoas devidamente letradas já falam e escrevem
“RestOU duas moedas” e “Como ficA as regras?” no lugar de “RestarAM duas
moedas” e “Como ficAM as regras?”. Quando usam a ordem inversa, usam o plural
“errado”. Cabe à gramática normativa se atualizar, pois esses “erros” são
cometidos por pessoas letradas, e não acho que sejam ignorantes. No caso dos
meus alunos, cujas falas eu corrijo e cujos erros de ortografia eu aponto, eu
digo que podem falar “Nós veio” e “Nós vai”, mas deixo claro que poderão sofrer
preconceito linguístico. “Nós vai” é uma variante estigmatizada, ao passo que “Nós
vamos” é a variante de prestígio. A frase sempre é variável. O que deve ser
feito, no caso do juiz fascista, é a divulgação de que Moro não consegue usar a
norma culta, o que é muito ruim para um profissional da palavra que fala em
momentos de formalidade.
Márcio Alessandro de Oliveira,
licenciado em Letras (Português e Literaturas) pela Universidade Federal
Fluminense, mestre em Estudos Literários pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro e professor efetivo.
Serra, ES, 8/4/2019. Últimas alterações: Serra, ES, 8/6/2019.